Poucas bandas do rock contemporâneo conseguiram se reinventar tantas vezes —
e com tanta consistência artística — quanto o Radiohead. Desde o impacto
alternativo de Pablo Honey até os experimentos digitais de A Moon Shaped Pool, a
banda britânica não apenas acompanhou as mudanças na música, como ajudou a
defini-las. A discografia do grupo funciona como um diário sonoro das inquietações
criativas de Thom Yorke, Jonny Greenwood, Ed O’Brien, Colin Greenwood e Phil
Selway, mas também como um reflexo das transformações culturais e tecnológicas
das últimas três décadas.
HISTÓRIA DA BANDA
As origens (meados dos anos 80 – início dos anos 90)
O Radiohead começou em Abingdon, Oxfordshire, Inglaterra, com cinco colegas de escola:
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Thom Yorke (voz, guitarra, piano)
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Jonny Greenwood (guitarra, teclados e mais 15 instrumentos que ele decide aprender em uma tarde chuvosa…)
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Ed O’Brien (guitarra, backing vocals)
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Colin Greenwood (baixo)
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Phil Selway (bateria)
Em 1985, eles formaram uma banda chamada On a Friday (porque só se reuniam para ensaiar às sextas).
O nome Radiohead só veio em 1991, inspirado em uma música dos Talking Heads.
Eles assinaram com a EMI em 1991 e lançaram seu primeiro EP no ano seguinte.
O começo tímido e o “Creep” (1992–1994)
Em 1992, Radiohead lança "Creep", que inicialmente passa despercebida no Reino Unido.
Mas… nos EUA, a música estoura graças às rádios alternativas.
De repente, eles são vistos como “a nova banda grunge britânica” — o que os deixava desconfortáveis, já que se sentiam diferentes da cena de Seattle.
O álbum Pablo Honey (1993) recebe críticas mistas: para muitos, era um trabalho promissor, mas não revolucionário.
Ainda assim, "Creep" se tornou hino de outsiders no mundo inteiro.
Impacto: Mostrou que o rock alternativo britânico podia dialogar diretamente com a cena alternativa americana — algo incomum na época.
Pablo Honey apresentou um Radiohead ainda preso às estruturas tradicionais
do rock alternativo dos anos 90, com claras influências do grunge e do britpop
incipiente. Mesmo Creep se tornando tanto um trampolim
para a fama, também foi um fardo, já que a banda rapidamente se cansou de seu rótulo
de “one-hit wonder” inicial. Musicalmente, Pablo Honey é direto: guitarras
distorcidas, refrões marcantes e uma produção polida, mas pouco ousada. Foi um
início promissor, porém limitado, para uma banda que ainda buscava sua
identidade.
A primeira reinvenção: The Bends (1995)
Em 1995, eles lançam The Bends, e é aí que começa a mágica.
O álbum é muito mais elaborado, emocional e musicalmente sofisticado que o anterior.
Canções como "Fake Plastic Trees", "Street Spirit (Fade Out)" e "High and Dry" mostram um equilíbrio raro entre melodia e experimentação.
Jonny Greenwood desenvolve um uso de guitarras com texturas e efeitos que influenciaria toda a cena britânica dos anos 90.
Impacto:
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Consolidaram-se como uma banda de álbuns (não apenas de singles).
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Influenciaram um exército de bandas britânicas e americanas a buscar sons mais etéreos e melancólicos, fugindo do britpop puro.
The Bends trouxe um
Radiohead mais ambicioso, explorando camadas de guitarra mais texturizadas,
melodias mais complexas e letras introspectivas. Músicas como Fake Plastic Trees
e Street Spirit (Fade Out) introduziram um lirismo melancólico e poético que
passaria a ser marca registrada. Se Pablo Honey era um produto de seu tempo, The
Bends já soava atemporal, estabelecendo a banda como um nome sólido no cenário
alternativo.
O auge do rock experimental: OK Computer (1997)
OK Computer foi um divisor de águas.
Sonoramente complexo, com letras distópicas sobre alienação, tecnologia e sociedade, soava como um aviso do que viria no século XXI.
Faixas como "Paranoid Android", "No Surprises" e "Karma Police" trouxeram arranjos não convencionais e estruturas progressivas.
Impacto:
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É considerado um dos álbuns mais importantes dos anos 90.
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Rompeu com a lógica do britpop, abrindo espaço para o indie alternativo mais introspectivo.
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Inspirou desde Coldplay (fase inicial) até Muse, Travis, Arcade Fire e até artistas fora do rock, como Flying Lotus e Frank Ocean.
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Mostrou que um álbum conceitual ainda podia ser relevante em plena era dos singles.
Com OK Computer, o Radiohead entrou para o panteão das grandes obras do rock.
Mais experimental e menos centrado no formato de música pop convencional, o
álbum mergulha em temas de alienação, tecnologia e isolamento — assuntos que
soam ainda mais atuais hoje. Arranjos complexos, uso inovador de estúdio e uma
narrativa quase cinematográfica fazem deste disco um marco. O passo de The
Bends para OK Computer não foi apenas evolução: foi transformação. A banda
deixou de ser apenas um grupo de rock alternativo para se tornar referência de
inovação artística.
Quebrando as regras: Kid A e Amnesiac (2000–2001)
No lugar de repetir o sucesso, o Radiohead jogou fora a fórmula rock de guitarras e mergulhou na música eletrônica, jazz e ambient.
Kid A (2000) chocou fãs e críticos: sem singles convencionais, com vocais processados, batidas eletrônicas e influência de Aphex Twin e Miles Davis.
Amnesiac (2001), gravado nas mesmas sessões, explorou uma estética mais fragmentada e misteriosa.
Impacto:
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Influenciou o indie dos anos 2000 a abraçar eletrônica (The Postal Service, James Blake, até Kanye West em “808s & Heartbreak”).
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Mostrou que uma banda mainstream podia se reinventar radicalmente e ainda ter sucesso.
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O lançamento com distribuição digital (streaming emergente, Napster) começou a mudar o modo como artistas pensavam no consumo da música.
Se OK Computer levou o rock a novos horizontes, Kid A desafiou totalmente o
gênero. A sonoridade se afastou das guitarras dominantes e abraçou influências de
música eletrônica, ambient, jazz e minimalismo. Samples, sintetizadores e batidas
programadas substituíram grande parte da instrumentação tradicional. Faixas como
Everything In Its Right Place e Idioteque causaram estranhamento inicial, mas hoje
são vistas como fundamentais para entender a virada do século na música popular.
A mudança brusca representou um ato deliberado de reinvenção — e de
afastamento do mainstream.
Gravado durante as mesmas sessões de Kid A, Amnesiac foi apresentado como um
“irmão mais sombrio” de seu antecessor. Mais fragmentado e eclético, alterna
momentos experimentais (Pulk/Pull Revolving Doors) com canções mais acessíveis
(Knives Out). Embora às vezes seja visto como uma extensão de Kid A, ele tem
identidade própria, explorando atmosferas mais densas e referências de jazz e
blues. Se Kid A era um manifesto futurista, Amnesiac soava como memórias
desconexas desse futuro.
Sexto álbum: Hail to the Thief (2003)
Aqui, o Radiohead buscou equilibrar a experimentação eletrônica da virada do
milênio com o uso mais evidente das guitarras. O álbum mistura energia crua (2 + 2
= 5) com peças introspectivas (Sail to the Moon). Temas políticos e um clima de
paranoia — reflexos do contexto pós-11 de setembro e da guerra do Iraque —
atravessam a obra. Embora menos coeso que Kid A ou OK Computer, Hail to the
Thief mostra uma banda confortável em transitar entre o orgânico e o sintético.
O ativismo musical e In Rainbows (2007)
Depois de Hail to the Thief (2003), mais político e urgente, eles encerraram contrato com a EMI.
Em 2007, lançaram In Rainbows sem gravadora, no esquema "pague o quanto quiser" para download.
Isso foi um terremoto na indústria.
Milhares de fãs pagaram valores variados (alguns nada, outros mais que o preço de um CD), e a banda ainda lançou uma edição física luxuosa para colecionadores.
Impacto:
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Mudou a percepção sobre distribuição digital.
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Inspirou artistas como Nine Inch Nails, Girl Talk e até modelos de crowdfunding no Kickstarter e Patreon.
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Mostrou que uma banda podia se sustentar sem depender de gravadora, usando conexão direta com os fãs.
Depois de quatro anos, o Radiohead reapareceu com um In Rainbows que é talvez o trabalho mais
caloroso e sensual do grupo, com grooves envolventes (15 Step), arranjos delicados
(Nude) e momentos de pura intensidade (Bodysnatchers). O disco equilibra
acessibilidade e sofisticação, mostrando que a banda não precisava escolher entre
experimentação e melodia.
Fase recente e legado (2010–presente)
Álbuns como The King of Limbs (2011) e A Moon Shaped Pool (2016) mantiveram a estética experimental, misturando loops, orquestras e ambiências.
O Radiohead também influenciou a forma de pensar shows multimídia — usando luz, vídeo e cenários interativos que se tornaram padrão para bandas alternativas.
Jonny Greenwood se destacou como compositor de trilhas sonoras (Paul Thomas Anderson, “There Will Be Blood”, “Phantom Thread”).
Thom Yorke também desenvolveu carreira solo e projetos paralelos como Atoms for Peace e The Smile.
Se In Rainbows convidava o ouvinte para perto, The King of Limbs mantinha uma
distância calculada. Construído sobre loops, batidas complexas e texturas sutis, o
álbum tem uma estrutura menos convencional, com foco na repetição e no clima
hipnótico. Músicas como Lotus Flower e Bloom exploram um lado mais minimalista
e abstrato da banda. Embora tenha dividido opiniões, o disco aprofunda a ligação do
grupo com a música eletrônica e as possibilidades rítmicas.
O mais recente álbum de estúdio até agora apresenta um Radiohead contemplativo
e melancólico. Arranjos orquestrais, piano e produção cristalina dão o tom, com
destaque para faixas como Burn the Witch e Daydreaming. É um trabalho
emocionalmente denso, que mistura reflexões pessoais (algumas relacionadas à
separação de Thom Yorke) com comentários sociais. Ao revisitar True Love Waits —
canção tocada ao vivo desde os anos 90 — o álbum fecha um ciclo, unindo passado
e presente.
Evolução e coerência: A trajetória do Radiohead é marcada por uma tensão criativa constante: o desejo de
explorar territórios novos sem perder a identidade. Cada álbum responde ao anterior
— às vezes continuando ideias, às vezes rompendo radicalmente com elas. Do rock
alternativo direto ao experimentalismo eletrônico e à música orquestral, a banda
nunca se acomodou em fórmulas prontas.
O que une toda essa diversidade é a sensibilidade para criar atmosferas únicas e a
busca por expressar inquietações contemporâneas. Seja falando sobre isolamento
digital, crises políticas ou emoções íntimas, o Radiohead conseguiu traduzir
sentimentos complexos em sons que transcendem épocas e gêneros.
Mais de trinta anos depois de Pablo Honey, a discografia do grupo permanece como
um testemunho de que a música popular pode ser, ao mesmo tempo, inovadora,
emotiva e profundamente relevante. E, conhecendo o histórico da banda, é seguro
dizer que a próxima reinvenção já está no horizonte.
Resumo do impacto na indústria da música
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Inovação sonora: cada álbum é um salto estético, influenciando incontáveis artistas.
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Álbuns como arte: mantiveram a relevância do formato completo, mesmo na era do streaming.
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Tecnologia e distribuição: pioneiros no modelo direto para fãs e no uso criativo da internet.
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Shows imersivos: elevaram o padrão visual e conceitual do rock ao vivo.
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Resistência à fórmula: provaram que é possível ter sucesso sem se repetir, mesmo arriscando alienar parte do público.